Iniciativa reduz impacto ambiental do descarte de alimentos, gera receita para o produtor e atende aos anseios do mercado consumidor por produtos diferenciados
Quando a sustentabilidade e a inovação caminham juntas no setor de alimentos, o resultado são produtos com impactos ambientais positivos e grande apelo para o consumidor urbano. Produtos alimentícios sustentáveis ajudam a solucionar problemas presentes ao longo da cadeia agroalimentar e ainda podem ser mais lucrativos para quem produz e para quem vende no varejo. A tendência do upcycling, termo resultante da junção de “up” com “reciclagem”, significa gerar novos usos para matérias-primas ou partes de alimentos que acabariam sendo descartadas no início da cadeia produtiva.
O upcycling é um exemplo de solução ganha-ganha, porque contribui para reduzir o impacto ambiental do descarte de alimentos, gera receita para o produtor e atende aos anseios do mercado consumidor por produtos diferenciados e sustentáveis. Recentemente, o Wageningen Food & Biobased Research, centro de pesquisa aplicada da Universidade de Wageningen, na Holanda, criou linhas de estudo para fomentar a geração de produtos diferenciados para pequenas agroindústrias.
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Por meio do upcycling, um grande fornecedor de tomates para o McDonald’s, na Holanda, encontrou uma forma de não descartar mais as extremidades dos tomates, que não são utilizadas na produção dos sanduíches da rede de fast-food. Os pedaços de tomates antes descartados viraram uma sopa, comercializada em embalagem transparente e com pegada sustentável. Outras soluções são mais complexas e envolvem mais esforços de pesquisa.
Também no âmbito do plano de economia circular da Holanda, pesquisadores de Wageningen desenvolveram com parceiros uma cerveja que tem como principal matéria-prima pães que seriam descartados e uma sidra com maçãs que não atendiam ao padrão estético exigido por algumas redes varejistas. Existem ainda os snacks de frutas e/ou legumes desidratados em embalagens práticas, que abrem e fecham facilmente, para consumo individual.
A Spare Fruit, lançada no Reino Unido, encontrou um destino sustentável para as muitas toneladas de maçãs e peras produzidas e não comercializadas pelos produtores por estarem fora dos padrões estéticos exigidos. As chamadas “frutas feias” também já fizeram novos modelos de negócio surgirem no Brasil, como o Fruta Imperfeita, um sistema de entrega em domicílio de frutas, legumes e verduras não comercializados pelos pequenos produtores ao varejo tradicional.
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As soluções delineadas na Holanda envolvem centros de pesquisa, agroindústrias e o varejo de alimentos. A rede supermercadista Jumbo abraçou a ideia e criou uma sessão para comercializar os produtos upcycled. A aceitação dos consumidores aos novos produtos surpreendeu positivamente, e a rede já pensa em ampliar a iniciativa lançada em março deste ano.
A parceria de Wageningen com a indústria e o varejo faz parte do plano “United against food waste”, iniciativa holandesa para acelerar o alcance da meta 12.3 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que prevê reduzir pela metade o desperdício de alimentos até 2030. Em vez de punir varejistas que desperdiçam alimentos, as ações holandesas estão mais direcionadas para aproximar os elos da cadeia agroalimentar na busca de soluções conjuntas.
Nesse aspecto, o Brasil pode seguir caminho semelhante. A pesquisa agropecuária deve aproximar-se do setor produtivo e adotar uma visão mais sistêmica de cadeia agroalimentar, na qual o varejo de alimentos pode ser o elo para aproximar o consumidor urbano das tecnologias desenvolvidas nos centros de pesquisa. Precisamos ainda vencer o desafio de criar mecanismos de fomento às cooperativas de produtores rurais e agroindústrias. Produzir no Brasil é caro e, sem superar alguns entraves inerentes ao custo Brasil, seguiremos fortes apenas como grandes produtores de commodities, mas de baixo valor agregado.
Para uma iniciativa de upcycling ter sucesso no setor de alimentos, não basta a pesquisa encontrar soluções para o excedente do processo produtivo e transformá-lo em produtos diferenciados. O consumidor precisa perceber a autenticidade dos produtos e o porquê de serem sustentáveis.
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Comunicar a sustentabilidade, contar boas histórias e ter embalagens amigáveis completam o ciclo necessário para que os consumidores percebam mais valor agregado aos produtos alimentícios, uma condição para que a indústria e o varejo possam fazer parte do processo de inovação em conjunto com quem desenvolve as tecnologias no início da cadeia produtiva.
A comunicação também é eixo importante na estratégia de economia circular implementada pela União Europeia e nos planos nacionais alinhados ao ODS 12, de fomento à produção e ao consumo sustentáveis. Sem consumo circular, não há economia circular. E, sem comunicação em nível estratégico, não ocorrem as mudanças comportamentais necessárias para construirmos um mundo com menos desperdício e mais justiça social.
Texto escrito por Gustavo Porpino