Ex-catador de lixo fala sobre sustentabilidade e critica postura passiva da sociedade
“Tião é como uma lufada de ar fresco num país que quer se renovar, como o retrato de uma sociedade em mudança, como um símbolo de uma nova liberdade, aquela que nos diz que, independentemente da origem ou classe social, todos têm direito de mudar sua trajetória”. O trecho é da contracapa do livro “Tião – Do Lixão ao Oscar”, que conta a história de Tião Santos e sua experiência de vida no lixão de Gramacho, onde começou a trabalhar como catador desde muito cedo, seguindo os passos de sua mãe, que ali encontrou uma forma de sustentar a família. Em 2008, fundou a primeira associação de catadores no Estado do Rio de Janeiro e ficou mundialmente conhecido em 2011, quando participou do documentário “Lixo Extraordinário”, do artista plástico Vik Muniz, indicado ao Oscar.
Hoje, além de prestar consultoria em sustentabilidade e gestão de resíduos por meio de sua própria empresa, Tião Santos segue pensando em formas de ajudar a sociedade a evoluir social e economicamente de forma sustentável. Confira abaixo o bate-papo incrível que tivemos com esta grande figura, que nos oferece uma lição de vida, cidadania e esperança.
Pra você, o que é sustentabilidade?
Tião Santos: Uma vez eu fui olhar no dicionário qual era a definição de sustentabilidade; é de fato sustentar, não deixar cair, equilibrar. Isso é sustentabilidade! Precisamos identificar o que é sustentabilidade para nós brasileiros e qual será a nossa forma de ser sustentável dentro da nossa realidade, sem ficar importando modelos de outros países. Todo país que se desenvolveu passou por esse processo de conscientização. É um processo lento? Sim, pois envolve educação e a mudança de atitudes dos indivíduos, mas é possível. Transformar o resíduo e a coleta seletiva em um bem econômico é um passo fundamental para introduzirmos a questão ambiental na realidade social das pessoas.
Como você enxerga a Política Nacional de Resíduos Sólidos hoje nas cidades?
Tião Santos: Todos os prefeitos estão preocupados em erradicar os lixões e talvez por isso as pessoas entendam que a Política Nacional de Resíduos Sólidos trate apenas deste assunto, mas isso não é verdade. Uma coisa é você fechar um lixão. Outra coisa é criar a gestão compartilhada de resíduos, que envolve o setor público, o privado e a sociedade em geral. É muito diferente. A PNRS também fala sobre a questão da inclusão social dos catadores através da criação de cooperativas, além de tratar o resíduo como um bem comum, gerador de trabalho e renda. A norma diz que os resíduos recicláveis não devem ser aterrados e muitas vezes isso acontece.
O Brasil quer sair de 2% e chegar a 10% de resíduos reciclados. Temos um déficit de 8% a ser alcançado. E de onde vem todo esse material reciclado? Das grandes concentrações, dos grandes centros urbanos, onde há uma forte atuação dos catadores. Ou seja, esses 2% de resíduos reciclados existentes hoje no país passaram pela mão de um catador de material reciclável. Como não levar isso em conta na hora de pensar em políticas públicas?
A coleta seletiva de lixo pode ser considerada uma realidade?
Tião Santos: Não existe coleta seletiva no Brasil. A coleta seletiva deveria ser desenvolvida a partir da consciência e educação ambiental e infelizmente a reciclagem no nosso país ainda nasce da pobreza e da exclusão social. Por esse motivo, o resíduo ainda não consegue ser visto como um bem; ainda cultivamos uma visão de lixo e acho que isso acaba freando o próprio desenvolvimento da coleta seletiva enquanto política pública. As pessoas não entendem e não sabem que nós anualmente enterramos cerca de R$ 8 milhões porque não reciclamos. A visão brasileira é de que reciclagem é sinônimo de catar lixo. E catar lixo é coisa de gente pobre.
Nos países desenvolvidos, a reciclagem é coisa de gente inteligente, de país com a cidadania ambiental desenvolvida. Para alcançarmos este patamar, precisamos aplicar a Política Nacional de Resíduos Sólidos na sua totalidade, dando a importância devida a esta Lei e realizando o tratamento dos resíduos.
No livro você conta toda a sua trajetória como catador e a mudança que promoveu na sua vida e na sociedade como um todo. Quais são os próximos passos?
Tião Santos: Tenho um projeto em mente, que batizei de Visões Sustentáveis, com o objetivo de debater o tema da sustentabilidade nas suas diferentes visões: social, educacional, econômica, ambiental, política… A ideia é abordar estas visões dentro dos temas de esporte, arquitetura e turismo sustentável, já que a previsão é que o projeto se materialize em 2016, ano das Olimpíadas. Mas ainda é só um projeto.
Que mensagem você deixa para os nossos leitores?
Tião Santos: A sua atitude de não descartar os resíduos corretamente tem um preço. Um preço social, ambiental e econômico. Aquela sua latinha de alumínio ou uma garrafa PET, ao invés de gerarem um impacto ambiental e social na vida das pessoas, podem ser transformadas em trabalho, renda, cidadania e inclusão social. Só depende de um pequeno gesto.
*Fotos: Facebook Tião Santos (Jardim Gramacho)